quinta-feira, 11 de julho de 2013

QUANDO A EXCLUSÃO COMEÇA NA “INCLUSÃO”: A INCAPACIDADE NÃO ESTÁ NA DEFICIÊNCIA


A inclusão da pessoa com deficiência no meio social e educacional é atualmente um tema muito comum e amplamente discutido, tanto por parte das instituições do governo, na construção de políticas publicas que visem efetivar os direitos dessa população, assim como pelas entidades filantrópicas não governamentais e privadas. No entanto, a meu ver, tratar a inclusão com vistas na pessoa com deficiência é um trabalho um tanto quanto paradoxalmente delicado e passível de entendimento. Com resguarda aos inúmeros debates que giram em torno desse tema, proponho uma análise da inclusão da pessoa com deficiência na sociedade levando em consideração não somente os aspectos sociais, mas também culturais.
A exclusão do deficiente dos meios de vivência social, que se intensificou principalmente com a chegada da modernidade, hoje constitui um problema de suma importância no contexto social. Mas do que importante é extremamente necessário discutir sobre esse assunto a fim de encontrar possíveis resoluções a questão da inclusão, por em questão a temática da inserção do deficiente tanto no mercado de trabalho quanto no âmbito educacional é uma tarefa que em seu cerne não deixa de guardar equívocos e contradições. Particularmente acredito que pensar a inclusão, a partir de tal termo, já seja por essência uma atitude equivocada e contraditória aos inúmeros discursos que hoje permeiam esse campo, porém se faz necessário antes mesmo de levantar rumores sobre tal, esclarecer que o presente escrito não se trata em primeira instância de uma abordagem de ordem política e generalizadora, mas sim de uma reflexão que acredito ser de bastante pertinência ao tema.
Partir da premissa de que trabalhamos por uma política denominada “inclusiva” não é nada mais do que afirmar no nosso próprio discurso o modelo de “normalidade”, do qual
estamos culturalmente impregnados, pois se há algo a ser incluído é por que esse de alguma forma já está “fora”. Nessa perspectiva, considerando o sistema político sobre o qual o nosso país hoje se apoia, se faz evidente que a necessidade em questão trata-se simplesmente da ausência do pilar sobre o qual deveríamos por excelência estar, isto é, a democracia. Propiciar uma vida digna salvaguardando os direitos da população como um todo não é inclusão, mas sim democracia.
Dizem os célebres papéis, os quais ditam o que é legitimado como Lei que todo e qualquer cidadão tem guardado o seu direito à “[...] educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância [...]” (Capitulo 2, Art. 6º - Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010), contudo, o que se nota com isso é que há um enorme abismo entre o que é deliberado nos documentos legislativos e o que realmente se efetiva no plano real. Nesse tocante no que se refere à educação, saúde, trabalho e os demais direitos sociais, o que devemos vislumbrar a partir daqui é principalmente como desenvolver uma política mais democrática, abandonando as políticas segregativas que hoje em muitos casos passam despercebidas aos nossos olhos. O que vislumbro nesse contexto é uma adequação estrutural, pedagógica e profissional que atenda as necessidades de todos, pois tenho a noção de que não é a classe “especial”, o profissional particularmente capacitado, a rampa em contraste com a escada, o banheiro isolado ou a disciplina extra no currículo que vai efetivar a “inclusão” dessas pessoas.
Indo um pouco mais adiante nessa reflexão sobre a “inclusão”, poderíamos dizer que essa surge como forma de subsidiar as nossas próprias limitações sociais. Pode parecer estranho dizer que “o deficiente é um problema na atual sociedade”, mas isso nada mais é do que um retrato fiel dos reflexos da nossa cultura sobre a deficiência, tanto que a admissão de deficientes em empresas hoje é assegurada por Lei, dessa forma tomada como obrigação (França, et al, 2008. P. 115), contudo, assumir esse sentimento como inerente ao nosso próprio ideário social é uma condição necessária para que a partir dessa resignação podermos redimensionar tanto social quanto culturalmente o lugar do deficiente, dando a ele o seu lugar de direito, isto é, de cidadão frente a democracia.
Outro ponto fundamental que também devemos acentuar nesse momento é a representação social que atualmente está fixado sobre o termo deficiência. Tido como praticamente sinônimo de incapacidade, esse termo socialmente está carregado do idealismo social, que em função do capitalismo hoje é vigente, ou seja, o ideal essencialista da forma corporal que atualmente é visivelmente legitimada pelo mercado da moda, e pela indústria de produção. França (et al, 2008), coloca justamente esse papel que vem sendo desenvolvido pela ideologia capitalista, ao se encarregar de produzir esses estigmas sobre a deficiência.
            A significação da deficiência deixou de se limitar aos consultórios médicos, passando a funcionar como fator de opressão social quanto às variações de funcionamento corporal, nesse sentido, a deficiência deve assumir não só um aspecto biomédico, mas também político perante a sociedade (Diniz, et al. 2009. P. 65). Tomar a deficiência como uma expressão da diversidade humana parece ainda um fator distante da realidade social, por isso, atribui-se a ela uma gama de preconceitos e ideias precárias, o que a torna um variante de ordem política e principalmente social, isso, tomando-a como um fenômeno presente e alvo de múltiplas significações na sociedade. Assim, com a proeminência do sentimento moderno fortemente influenciado pelos padrões essencialistas, que peço aqui a permissão de coloca-los como herança dos antigos sistemas colonialistas, principalmente relativos à aspectos econômicos, vão construindo sobre a deficiência a noção da incapacidade, da limitação e da improdutividade, sendo que as reais limitações são próprias do atual modelo de organização social e da cultura mecanicista e normativa.
             Por fim, tratar a questão da inclusão enquanto política promotora da igualdade social se faz um complexo muito mais abrangente e diversificado, contudo, com ressalvas a serem pontuadas. Além disso, o que é necessário a ser feito, a fim de promover uma melhor “inclusão” da pessoa com deficiência no meio social não é somente uma estrutura adequada, mas também uma ressignificação social da pessoa com deficiência, de modo a integra-la não só no meio social em si, assim como também na dinâmica da produção cultural, campo que apesar das conquistas ainda parece ser alheio aos deficientes. Contudo, diante do colocado, vale ainda mais uma vez ressaltar que não se tratar da adoção de uma visão simplista acerca do assunto, mas sim uma revisão sociocultural em nível psicológico dos nossos atuais modos de organização das nossas condições de vivencia enquanto sociedade, cultura e economia. Seria conveniente ainda colocarmos em questão a enorme limitação existente no panorama institucional e sociocultural, cobrando do poder público, ações que de fato visem à democratização dos direitos, os quais todos somos possuidores, assim como pensar sobre a nossa própria limitação em sair dos padrões ditados pela cultura massificada, essa que nos faz refém e que no contexto da academia nos diz que aprender uma língua estrangeira nos faz mais capacitado do que aprender libras por exemplo.

“Muitos mais do que incluir. Apenas aprender a ser gente!”

Esrom Galvão Mota – (Psicologia)

REFERÊNCIAS
DINIZ, D., BARBOSA, L., SANTOS, W. R. dos. Deficiência, Direitos Humanos e Justiça. SUR - Revista internacional de direitos humanos. Disponível em: <http://www.revistasur.org>. Acesso em: 18 de junho de 2013. 2009. P. 64-77.
FRANÇA, I. S. X. de. PAGHIUCA, L. M. F., BAPTISTA, R. S. Política de inclusão do portador de deficiência: possibilidades e limites. Acta Paul Enferm. 2008. P. 112-116.

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