quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

CINEMA E PESSOA COM DEFICIÊNCIA - PARTE 3



  •   UMA VIAGEM INESPERADA


Imagine você, mãe solteira de gêmeos, dois garotos. Em um dia comum, você vai buscar seus dois filhos na escola e é chamada pela professora, você então descobre que está sendo acusada de cometer maus tratos com eles. Sua reação? A pior possível. “Como alguém tem a audácia de dizer que não trato bem meus filhos?”. E o motivo disso tudo é o comportamento atípico de ambos durante as atividades de sala de aula... Eles não falam, não se comunicam, apresentam comportamento estereotipado, muitas vezes assusta os demais colegas, mas na maioria das vezes são alvos de chacotas. A professora, e todo o grupo pedagógico não consegue encontrar outra explicação, a não ser que esses meninos estejam sofrendo algum tipo de abuso, que determine tais distúrbios. Se fosse você, como seria sua a reação?
É assim que se inicia o filme “Miracle Run” com o título “Uma Viagem Inesperada”, aqui no Brasil. Corrine, interpretada por Mary-Louise Parker, vive o drama de uma mãe que ao descobrir que seus dois filhos possuem autismo, tem sua vida totalmente transformada. Assim que os meninos são diagnosticados, o marido a deixa imediatamente, por não saber lidar com a situação. Corrine terá o grande desafio de criar sozinha os meninos, Phillip que é vivido por Bubba Lewis, e o Steven, interpretado pelo Zac Efron. Além de se ver sozinha, Corrine logo é informada pela escola que os meninos não poderão estudar lá, recebendo a sugestão de matricula-los em uma escola especial. E é esse é o ponto chave do filme. São os meninos que devem ser adaptados ao tipo de escola, ou a escola que deve ser adaptada para recebê-los? Certamente Corrine não tem dúvidas quanto isso, e usando dos seus próprios recursos, consegue, surpreendentemente, que a escola não só aceite os meninos, como adote um programa para que eles recebam atenção especial fora do ambiente escolar com o intuito de prepara-los para o convívio escolar e social. Um instrutor, especializado em autismo, inicia um tratamento com ele. No inicio uma verdadeira guerra é travada, no final é o amor e a paciência que leva a melhor... É o momento de maior mágica do filme, não tem como não se emocionar com cada avanço alcançado pelos meninos, mesmo uma simples palavra pronunciada, uma pouca interação com o mundo que se inicia,  qualquer coisa é tanto, para aqueles que até pouco tempo eram tidos como incapazes de estudar em escola regular. Era como se o nosso time estivesse avançando no campeonato mais importante do mundo. A cada avanço, cada vitória, consegue deixar o telespectador vibrando...

O filme avança no tempo, mostrando como anos depois os meninos viviam. Iam para escola, faziam amigos, iam se descobrindo na puberdade, e como tinham os mesmos conflitos que qualquer outro da mesma faixa etária. Ao mesmo tempo em que a vida de Corrine também ia mudando, principalmente ao conhecer Douglas, interpretado por Aidan Quinn. Doug assume um papel fundamental na fase que os meninos se encontram, o de um amigo, um pai, no qual eles se referem a qualquer conflito, se refugiam em conselhos, e no qual se sentem absoluta confiança.
Outra parte bem interessante é quando os meninos demonstram suas incríveis habilidades, que certamente não teriam caso não fossem portadores do autismo. Steven se revela um exímio corredor, consegue se destacar rapidamente como corredor e ainda entra para o time da escola, mesmo com suas dificuldades para acertar o percurso, por exemplo, com a estratégia certa, ele prova ser o melhor corredor e vence uma competição. Já Phillip revela um talento musical extraordinário, e consegue ser aceito em uma das instituições de música mais prestigiada e de difícil acesso, mesmo sem nunca ter tido sequer uma aula de música.

O filme termina dizendo que anos mais tardes, ambos ingressam para a faculdade, algo jamais pensado para autistas, que parece ter uma vida totalmente condenada perante o diagnóstico.
Para mim, a questão mais marcante do filme é a mitificação do autismo. Perpetuar aquela ideia, de que o autismo é uma condição que distorce a visão do mundo exterior, mas que todo autista desenvolve um talento extraordinário que compensa todo o resto.  Vejo frequentemente as pessoas usando autismo de forma equivocada: “Ah, meu jeito autista de ser!” ou “Sou autista por opção”. Tem gente que até acha legal ser autista. É de certo que muitos autistas, ao longo da história, se revelaram pessoas extraordinárias, e que até hoje são lembradas, como Albert Einstein e Isaac Newton. Com certeza isso colabora para toda essa mitificação. Então fica a questão: É legal ser autista? É legal ter alguma deficiência? Acho que ouvirei respostas como: “Depende.” Tenho convicção que essa resposta seria negativa se estivesse me referindo ao autismo grau 20 (a forma mais extrema), ou de uma paralisia cerebral.  Honestamente, não acho legal ser deficiente, mesmo que a deficiência me traga uma notoriedade por conseguir fazer algo extraordinário.  Acho que ninguém gostaria de ter uma disfunção, seja física ou psíquica. Então eu responderia que ser deficiente é diferente, é ter outra forma de viver. Se eu fosse entrar pelos méritos filosóficos, questionando o que é viver de verdade, ou o que é real, não terminaria aqui. Mas é isso mesmo, o modo de viver de uma pessoa dita “normal”, será diferente de uma com deficiência.  Mas uma não exclui a outra. Para viver não precisamos viver todos iguais. Todos nós somos diferentes, todos nós temos uma deficiência e de alguma forma não serviríamos para algo, uma pessoa que não sabe desenhar não serviria para ser cartunista, não é? Eu diria que depende. Conheço pessoas que seriam “deficientes” para certa situação e mesmo assim exerceram sua função de forma belíssima. Quem nunca viu os rabiscos de Oscar Niemayer? Porém quero enfatizar a periculosidade da mitificação sobre algumas situações. E se o filme fosse sobre um cadeirante que tentasse voltar a andar e conseguisse no final? Acho que esse filme seria legal também. Mas se o filme fosse de um autista que jamais conseguiu se socializar devidamente? Ou sobre um cadeirante que não teve sucesso com o tratamento e jamais voltará a andar? Teria a mesma graça? Infelizmente na vida real, nem sempre se termina como nos filmes, e devemos estar preparados para esses “enredos atípicos”. Nem sempre tudo se resolve como esperado, mas sempre tudo se resolve. No final, o mais importante é saber viver com o que se tem e da maneira que se pode, e não cabe a ninguém a julgar se está certo ou errado,  fazer o outro mudar, para viver como ele acha que é certo.
Comecei bem animada a falar do filme, mas não posso deixar de exibir minha visão. Mas devo informar que há um filme maravilhoso, ao qual só teria elogios a falar, “Homens de Honra (Men of Honor)... Mas isso é assunto para outra postagem. Até breve.






Equipe: Fabiana Miranda, Fabrício Magalhães, Grécia Nonato, Lorena Tínel e Mariany Carneiro

"Cinema é como um sonho, como uma música. Nenhuma arte perpassa a nossa consciência da forma como um filme faz; vai diretamente até nossos sentimentos, atingindo a profundidade dos quartos escuros de nossa alma". (Ingmar Bergman)

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