quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

ENTREVISTA COM PROFº ENOS FREITAS



1 - Como é feito o processo de alfabetização de alunos surdos?
Quando nascemos  ouvintes adquirimos a língua  de maneira natural na convivência e pelas experiências sociais. Com o passar do tempo vamos adquirindo as competências propiciadas pela língua.
Compreendemos enunciados, produzimos frases, brincamos. Quando vamos à escola já temos uma base lingüística bem avançada. Daí, podemos explorar o universo simbólico dos jogos, da leitura e da escrita; e é a língua que será base de tudo. O processo de alfabetização de leitura e escrita já foi precedido pela aquisição de uma língua - no caso da maioria dos ouvintes brasileiros o português. Os surdos quando nascem numa família de surdos ou quando seus pais se empenham em aprender e comunicar em Libras, também passam pelas mesmas fases de um ouvinte. Eles compreendem enunciados, produzem palavras, frases, brincam... E quando forem à escola - se for uma escola para surdos ele estudará sua língua, aprenderá a leitura e escrita da mesma.
Se uma pessoa nasce numa família em que se fala o Tupi, o ideal seria que quando fosse à escola ela pudesse receber as instruções em Tupi, e a leitura e escrita também deveria primeiro focar esse idioma, afinal essa seria sua língua natural e materna. Certamente a criança que tem como língua materna o Tupi enfrentaria muita dificuldade para ler e escrever em português. O ideal seria que ele se apropriasse da sua Língua e depois estudasse o português como segunda língua. Podemos fazer um paralelo com a situação dos surdos.
O ideal e natural seria que ele pudesse usufruir de uma educação que lhe propiciasse investigações e trocas em sua língua. O aprendizado do português escrito teria que ser oferecido como segunda língua.

2 - A alfabetização dos surdos é feita somente por meio da linguagem de sinais?
A Libras é uma língua, assim como o português é uma língua, o espanhol também é. Linguagem é um termo genérico que comporta a espécie Língua. Língua é algo intrínseco dos humanos, linguagem pode ser algo artificial. "A língua abre as portas da inteligência". 
A alfabetização da criança surda usualmente tem se dado por meio oral ou gestual. Porém, antes de falar sobre alfabetização é necessário falar de aquisição da linguagem, oportunidade e decisão da família. 
Quando uma criança ouvinte vai à escola ela já adquiriu o idioma - em geral o português. Daí será trabalhado às bases para leitura, escrita e etc. Quando uma criança  surda não nasce numa família de surdos, muitas vezes a família decide não aprender a Libras ou não teve a oportunidade de conhecer a Libras. Em geral essas crianças chegam a escola sem nenhuma língua. Em geral as escolas passam a instrução na forma oral ou escrita da língua portuguesa. A maioria das famílias recebe a orientação para que seus filhos sejam oralizados para poderem se apropriar da língua portuguesa, e em muitos casso a família é alertada para não deixar o surdo ter contato com a "linguagem de sinais". Essa orientação tem funcionado em casos raros. Na maioria esmagadora dos casos a criança perde um longo tempo de sua vida tentando se apropriar duma língua oral e não conhecendo a a língua de sinais. A criança não tem nenhum idioma. A experiência revela que muitas crianças nesta situação se comunicam de maneira limitada. Em Petrolina, Juazeiro, Senhor do Bonfim e em muitos outros lugares podem ser encontrados exemplos vivos. O tempo vai passando e a criança vai tentando se apropriar do idioma oral. Enquanto isso ela enfrenta dificuldades para ler, escrever e para se comunicar. Não é de admirar que esta situação tem inibido alguns e estressado outros.
Quando a família decide aprender a língua de sinais ou permite que o surdo tenha contato com surdos e aprenda Libras os problemas de comunicação, aprendizado do conteúdo escolar e interação social são muito reduzidos. A língua portuguesa na modalidade escrita deveria ser ofertada com metodologia de segunda Língua. Posteriormente poderia ser oferecida a modalidade oral, deixando a cargo do surdo a escolha pelo estudo dessa modalidade. Falar( usar) Libras, não impede de aprender a escrever ou até a falar o português.Na verdade falar Libras pode facilitar o estudo da língua portuguesa, inglês, espanhol...
Porém, na maioria das escolas os governos não oportunizam o estudo da disciplina Libras. Era de se esperar o aluno pudesse ler e escrever em Libras. Era de se esperar que toda a comunidade escolar, principalmente os professores recebessem capacitação para aprenderem a Libras. Era de esperar que a família decidisse aprender Libras e muitos se excusam. Essas decisões e oportunidades não têm sido tomadas nem oferecidas. Alguns ainda insistem em atribuir as dificuldades dos surdos ao seu idioma. É como se eles não tivessem direito a usar o seu idioma e estudá-lo. Na verdade esse idioma é a chave para todos os conhecimentos.

3 - Como a estrutura sintática da Lingua Portuguesa é diferente da Linguagem de sinais, qual a lingua que os surdos aprendem primeiro?
Os surdos naturalmente estão inclinados a aprender a Língua de sinais. Se você está viajando por uma estrada e se depara com uma obstrução do trecho, é natural que você busque outra via desobstruída. Existe uma barreira sensorial auditiva para os idiomas orais, e naturalmente o cérebro busca a via visual que está desobstruída. Por esta razão os surdos em sua maioria aprendem  rápido um idioma visuo-gestual. O aprendizado desse idioma não lhes impede de adquirir um idioma oral, apenas a metodologia de ensino do idioma oral é  adequada, confortável e atraente e precisa ser posterior ao sinalizado para que a viajem lingüística seja uma experiência progressiva.

4 - Qual é o maior desafio do ensino de Libras para surdos?
Os desafios para o ensino de Libras são menores do que os desafios para o ensino da língua oral. (Só para enfatizar: depois da aquisição de Libras, o surdo poderá, dependendo da metodologia, aprender português, espanhol, inglês, etc). Se os surdos tiverem contato com outros surdos eles aprenderão a Libras de maneira natural e muito rápida. Se a família aprender Libras, todos serão beneficiados pela comunicação plena. Também, o ideal seria que houvesse escolas primárias com turmas de surdos e com professores surdos ou professores fluentes em Libras. Quando esses três fatores não acontecem aí os desafios crescem. Mas o ensino da Língua oral em mais de cem anos, na maioria dos casos foi ainda mais frustrante, gerador de preconceitos e uma perca de tempo. Depois de adquirir a Língua de sinais, o surdo pode estudá-la e estudar outros idiomas, até mesmo na sua modalidade oral, nessa perspectiva os desafios são superados e enriquecedores.

5 - Qual é o maior desafio do ensino de Libras para não surdos?
Para não surdos, o aprendizado da Libras pode ser dificultado pela escassez de material que consiga conduzir de maneira confortável o aprendiz ao outro idioma. Existem materiais da LSB vídeo, da videolivraria, Libras em contexto. Esses materiais são pioneiros, mas o mercado tem muito que ser pesquisado e produzido. Outro impedimento pode ser que o profissional que ministra a disciplina ou o curso de Libras seja limitado nesse idioma. Outros também não tem a preferência por esse idioma, mas precisam estudá-lo para dar conta do currículo.

Sugestão de Leitura: Vendo vozes de Oliver SACKS.

Atenciosamente: Enos Figueredo de Freitas - Professor de Libras da UNIVASF e FPAG.


Discente: Evelin Feiffer

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